Que tal celebrar Tabernáculos em Israel? Uma reflexão. | Ensinando de Sião

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Que tal celebrar Tabernáculos em Israel? Uma reflexão.

É sempre bom ver as ruas de Jerusalém repletas de turistas e grupos que expressam seu apoio ao Estado de Israel e ao povo judeu durante a Festa de Sucôt (Tabernáculos). Em dias de grande antissemitismo (ou “antissionismo”, como dizem agora), todo apoio político, social e principalmente econômico é mais do que bem-vindo em Israel! Expresso aqui minha gratidão à organizações que se denominam Amigas de Israel e que demonstram tal posicionamento visitando e ajudando Israel e seu povo nesta época festiva. Porém, sempre foi de meu interesse tentar compreender e entender as motivações diferentes de vários desses grupos, uma vez que a maioria delas é intimamente ligada à fé cristã e à interpretações de textos bíblicos. Ou seja, sabemos que a motivação principal é a teologia… mas qual teologia?

Em muitos casos, a motivação da peregrinação “tabernaculiniana” é oriunda da compreensão da escolha irrevogável de Deus em relação a Israel e seu povo. Há um desejo genuíno de se estar perto, de compartilhar e compactuar com tal escolha divina. Mais do que isso, há um desejo de fazer parte desta aliança abençoadora: “Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Em ti (Abraão e sua descendência em Isaque), serão abençoadas TODAS as famílias da Terra”. (Gn 12:3) O texto dispensa exegese! Este princípio é o mais simples e o mais genuíno. Há dezenas de outras referências bíblicas que batem na mesma tecla. Quem quer servir a Deus não pode ser contra Suas escolhas. Não se pode amar ao Deus de Israel e querer distância de Israel. Servir ao “Leão da Tribo de Judá” e odiar os de Judá (judeus). Não precisa ser bacharel em teologia para compreender que o plano de Deus para a humanidade envolve Israel e seu povo. Se Abraão foi escolhido para abençoar as nações, as nações precisam dele e ele precisa das nações. Simples assim.

Mas esta não é a única motivação teológica que constatei em meio aos vários grupos de Amigos de Israel ou Cristãos Sionistas que visitam Israel em Tabernáculos. Quando a realidade do princípio anterior não é aceita, ou quando o “status quo” do judeu esbarra com conceitos cristãos anti-judaicos (como por exemplo, a teologia da substituição), apela-se para a escatologia. Ou melhor, apela-se para a escatologia distorcida.

Sabemos do crescente interesse em cristãos de se visitar Israel durante a Festa Judaica de Sucôt (Tabernáculos). Muitos afirmam que tal ajuntamento das nações em Jerusalém durante esta época representa um “prelúdio” das profecias sobre o Reino do Messias. Um dos textos mais usados diz:

“Esta será a praga com que o SENHOR ferirá a todos os povos que guerrearem contra Jerusalém: a sua carne se apodrecerá, estando eles de pé, apodrecer-se-lhes-ão os olhos nas suas órbitas, e lhes apodrecerá a língua na boca. Naquele dia, também haverá da parte do SENHOR grande confusão entre eles; cada um agarrará a mão do seu próximo, cada um levantará a mão contra o seu próximo. Também Judá pelejará em Jerusalém; e se ajuntarão as riquezas de todas as nações circunvizinhas, ouro, prata e vestes em grande abundância. Como esta praga, assim será a praga dos cavalos, dos mulos, dos camelos, dos jumentos e de todos os animais que estiverem naqueles arraiais. Todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém subirão de ano em ano para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, e para celebrar a Festa dos Tabernáculos. Se alguma das famílias da terra não subir a Jerusalém, para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, não virá sobre ela a chuva. Se a família dos egípcios não subir, nem vier, não cairá sobre eles a chuva; virá a praga com que o SENHOR ferirá as nações que não subirem a celebrar a Festa dos Tabernáculos. Este será o castigo dos egípcios e o castigo de todas as nações que não subirem a celebrar a Festa dos Tabernáculos”. (Zc 14:12-19)

Fiz questão de citar um trecho mais completo da profecia para que a própria me sirva de argumento. O que geralmente citam é apenas a parte em negrito (verso 16), mas qualquer pessoa que analisa o texto pode atestar que a tal profecia representa um CASTIGO da parte de Deus para aqueles que intentarem contra Jerusalém e seu povo. Ela destina-se AOS INIMIGOS de Jerusalém que sobreviveram ao juízo de Deus. É claro que Sucôt é conhecida como uma festa com grande apelo internacional e também profético, mas esta profecia de Zacarias não aborda este aspecto. Citá-la para justificar uma peregrinação a Jerusalém nesta época representa uma confusão de conceitos, um clássico exemplo de um texto sendo excluído de seu contexto para virar pretexto.

Há ainda outras referências bíblicas que são utilizadas como justificativa. Cito outras duas:

“Ordenou-lhes Moisés, dizendo: Ao fim de cada sete anos, precisamente no ano da remissão, na Festa dos Tabernáculos, quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel. Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam a temer o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir.” (Dt 31:10-13)

“Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do SENHOR será estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os povos. Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do SENHOR, de Jerusalém.” (Is 2:2-3)

Bem, podemos realmente dizer que estes textos são proféticos, escatológicos de certa maneira. Eles realmente mostram estrangeiros subindo a Jerusalém (um deles durante a Festa dos Tabernáculos). Porém, em um contexto muito diferente do que vejo hoje nas ruas da Cidade de Davi. Ambas as referências demonstram um desejo genuíno das nações em se APRENDER da LEI (em hebraico, Torá) de Deus. É o amor a Deus e à Sua Torá que motiva a subida a Sião. Estas nações querem aprender, querem ouvir, querem cumprir, querem guardar. Onde está a incoerência? Está no fato de muitos dos que sobem a Jerusalém para “cumprir” as profecias acreditarem no velho discurso teológico extremamente popular entre cristãos: “Jesus cumpriu toda a Lei. Não estamos mais sujeitos a ela” ou “A Lei (Torá) vigorou até Cristo” ou ainda “A Lei existe para os Judeus, não para nós Cristãos”. Ou o mais clássico de todos, extraído de uma má interpretação de um texto neo-testamentário: “Cristo nos resgatou da maldição da Torá”. Em outras palavras, é como se me dissessem: “Estamos aqui em Israel para demonstrar nosso apoio ao povo Judeu e em cumprimento a Lei de Deus sobre a Festa dos Tabernáculos. Mas queremos lembrar que esta mesma Lei, em Cristo, não existe mais”. Hein???

Ou seja, de acordo com o contexto verdadeiro dos principais textos usados por peregrinos cristãos, o subir escatológico a Sião por parte das nações da Terra acontecerá em um contexto de louvor, apreço e interesse pela TORÁ (LEI) de Deus. Será um desejo genuíno, motivado pelo amor a Deus, de se APRENDER e VIVENCIAR a Lei Eterna de Deus, princípios dados para que Israel pudesse viver corretamente neste planeta, abençoando e servindo de exemplo para as nações do planeta. Até mesmo a “Nova Aliança”, profetizada pelo profeta Jeremias (Jr 31:31) consistiria em ter-se a TORÁ de Deus escrita na mente e no coração do povo. Mas estes parecem ser conceitos ausentes em grande parte dos peregrinos cristãos que visitam Israel durante Tabernáculos.

Milhares de evangélicos marcharam por Jerusalém esta semana, cumprindo uma tradição que surgiu nos anos 1980 por uma entidade religiosa cristã com sede em Israel. Em entrevistas a jornais israelenses, muitos atestam estarem cumprindo ou pelo menos “apontando” para o cumprimento de profecias como as listadas acima. Porém, um dia antes da marcha cristã, ainda em Jerusalém, tivemos um evento histórico, celebrado por milhares de Judeus de várias partes do planeta, o “Hakhel”. Nos dias do Templo, a cada 07 anos, durante os dias de Sucôt, a Lei de Deus deveria ser lida e ensinada em público para toda a congregação. Era costume o rei e os líderes do povo lerem para todo o ajuntamento conforme a instrução divina em Deuteronômio: “Ao fim de cada sete anos, precisamente no ano da remissão, na Festa dos Tabernáculos, quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel. Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e APRENDAM, e temam o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei;” (Dt 31:10-12)

Depois de 2000 anos de exílio, Israel rejubila em poder trazer a existência um momento tão especial em sua história. Um evento tão importante não só para os judeus, mas também para os estrangeiros que servem ao Deus de Israel e que se interessam em cumprir de alguma forma as profecias bíblicas sobre o ajuntamento das nações em Sião. Não vi nenhum órgão de notícia cristão noticiar o “Hakhel”, nem ouvi nenhum relato de peregrino Cristão que sabia do evento em questão. A verdade, prezados leitores, é que a “Lei” de Deus ainda causa tremores e desconfortos em muitos círculos cristãos. Pensem comigo: já imaginaram Igrejas evangélicas e grupos pró-Israel anunciando caravanas durante Tabernáculos para se “aprender a LEI de Deus em cumprimento às profecias”? Uma grande Igreja de sua cidade anuncia: “Visite Israel conosco para aprender a Torá”! Isso, com certeza, seria muito mais “bíblico” do que a forma como a coisa é feita hoje em dia. Porém, seria também a receita para o fracasso dos organizadores. Com a alta do dólar então, seria um verdadeiro fiasco para os empresários/pastores que retiram seu sustento de caravanas a Israel em Tabernáculos.

Foi essa realidade cômica e trágica ao mesmo tempo que chamou minha atenção e me motivou a fazer uma breve e simples reflexão do que testemunhei aqui em Jerusalém. Não estou aqui para julgar os que se sacrificam para virem a Sião durante a Festa dos Tabernáculos. Não estou aqui condenando os indivíduos ou as organizações que o fazem. Estou apenas chamando a atenção do leitor sobre a importância de verdadeiramente se considerar as Escrituras, analisando-as em seu contexto original, trazendo à tona possíveis incoerências interpretativas e esquadrinhando as motivações que muitas vezes são ensinadas a pessoas que realmente desejam agradar a Deus.

Como atestei no início deste artigo, sou grato a Deus pelos milhares de Cristãos que sobem a Jerusalém durante Tabernáculos e desejo sinceramente que continuem fazendo-o. Porém, oro para que o façam com uma compreensão mais honesta e bíblica do que realmente estão alcançando com tal peregrinação, de forma que esta possa realmente servir de prelúdio aos magníficos tempos vindouros.  Quem tem ouvidos para ouvir… ouça!

Shalom desde Sião e Feliz Festa do Aprendizado!

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Autor:

Matheus Zandona Guimarães é descendente de Judeus com origem na Itália e em Portugal. Graduado em Comunicação Social, estudou teologia com ênfase em Estudos Judaicos nos EUA e Hebraico e Cultura Judaica em Jerusalém - Israel. É o atual presidente do Ministério Ensinando de Sião e rabino da Sinagoga Har Tzion em Belo Horizonte. É diretor internacional do Netivyah Bible Instruction Ministry (ISRAEL) e diretor regional da UMJC (Union of Messianic Jewish Congregations) - EUA. Matheus é casado com Tatiane e tem dois lindos filhos, Daniel e Benjamin. (facebook.com/mzandonna, @matheus.zandonna)

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